Minha querida leitora já viu em algum lugar, ou em algum filme, aquelas correntes humanas para carregar coisas mais rápido, não viu? Tem-se uma fila enorme de gente, e o primeiro pega alguma coisa e dá a quem está ao seu lado, que passa para outro, para outro, para outro, e por aí vai até o fim da fila.
Agora imagine uma fila destas formada apenas por pessoas cegas, surdas e mudas. Não estou falando de algumas cegas, algumas surdas e algumas mudas, não! Estou falando de todas serem cegas e surdas e mudas, ao mesmo tempo. O que é preciso para que estas pessoas consigam carregar as coisas de um lado para outro? Um puta sincronismo: sem ele, vai cair tudo no chão. Todas estas pessoas são treinadas para saber o tempo que têm que durar os seus movimentos, de forma que tudo possa ser transportado com perfeição.
Saiba então que é mais ou menos assim que funcionam as redes de telefonia: sempre sincronizadas, com um reloginho marcando o compasso, de forma que a transmissão vá de um ponto a outro em alta velocidade, sem risco de perda de informações.
Até o início da década de 90, praticamente todas as redes de computadores funcionavam usando a infra-estrutura telefônica já existente para realizar as suas transmissões, mas eis que uma nova tecnologia surgiu e ganhou muita força: o ATM (Asynchronous Transfer Mode - Modo de Transferência Assíncrono).
A grande sacada desta tecnologia foi acabar com o sincronismo. Com ela, as pessoas da fila deixavam de ter deficiências: todas falavam, ouviam e viam. Daí, quando tinham que entregar algo para a pessoa do lado, elas avisavam antes; e também avisavam quando não tinham mais nada para entregar. A falta de sincronismo não prejudicava o carregamento.
Uma outra metáfora que se pode fazer para diferenciar as transmissões síncronas e as assíncronas é comparar os atos de pegar o metrô e um táxi. Com o metrô você tem que estar sincronizado: ele tem hora pra chegar e pra sair, e se você der mole, perde a condução. Além disso, também tem a hora certa de descer. Já com o táxi a história é outra, basta fazer sinal que o transporte começa, e basta dizer onde você quer ficar que ele pára.
É exatamente assim que as redes de tecnologia ATM funcionam: quando alguém quer iniciar uma transmissão, sua máquina emite um sinal em direção ao receptor dizendo "aí, vou transmitir umas paradas, toma lá". Quando o receptor recebe esta mensagem, ele fica pronto para receber. Quando termina de enviar, o transmissor avisa que "ó só, terminei de mandar, valeu, um abraço".
Apesar de não serem muito utilizadas hoje em dia em redes pequenas, de escritórios e empresas, as redes ATM são muito utilizadas, veja só, pelas empresas de telefonia, no transporte de pacotes IP em suas redes internas.
***
TransmitindoAs redes ATM são orientadas a conexão, ou seja, para que os dados sejam enviados, o transmissor primeiro precisa avisar que vai enviar algo, para que a conversação seja estabelecida. Ele não pode simplesmente jogar uma informação para o receptor dizendo "
aí, pensa rápido". Antes ele tem que dizer "
aí, se liga" e esperar o receptor responder "
tá, pó falá".
Supondo que o computador A queira enviar uma mensagem para o computador B, ele primeiro envia um pacote de configuração que, ao passar pela rede, vai sendo registrado pelos roteadores. Desta forma, os roteadores também sabem que existe uma conexão passando por ali, e já reservam recursos para ela. Desta forma, a conexão entre as duas máquinas é sempre fixada, e as informações percorrem sempre o mesmo caminho. A esta conexão fixa das redes ATM costuma-se dar o nome de "
circuito virtual".
As informações a serem transmitidas pela rede ATM são divididas em pequenas células de 53 bytes cada uma. Destes, 48 são a informação propriamente dita e 5 são para a formação de um cabeçalho de controle. Este cabeçalho contém duas informações essenciais para que as células cheguem ao seu destino: o número de ordem da célula, para que o receptor saiba que todas as células chegaram e consiga montá-las; e o código da conexão, para que os roteadores saibam para onde devem repassá-las.
A adoção de células de tamanho fixo e pequeno traz a vantagem de tornar a transmissão mais veloz, pois o repasse delas é feito via hardware. Quando o tamanho dos pacotes é variável, o seu repasse deve ser controlado via software, o que torna o processo mais lento. Além disso, o tamanho reduzido das células faz com que elas são ocupem muito tempo as linhas de transmissão, garantindo que a rede fique mais tempo disponível, o que se traduz em uma qualidade de serviço maior.
***
O Modelo ATMPor ser uma tecnologia nova e diferente de tudo o que já era usado até então, o surgimento do ATM levou à criação de sua própria
pilha de protocolos, que consiste de basicamente três camadas: a camada de adaptação ATM, a camada ATM e a camada física, sendo que a primeira e a terceira têm, cada uma, duas subcamadas. O esquema pode ser visto na figura abaixo:
A
camada física, como o próprio nome diz, é a que tem a responsabilidade de lidar diretamente com o hardware.
Sua
subcamada PMD faz a ligação com o cabo propriamente dito. É ela que transforma os bits a serem enviados em sinais elétricos, telefônicos, luminosos, ou seja lá qual for a tecnologia de transmissão, que são então transmitidos. É ela, também, que recebe estes sinais e os decodifica em bits.
Já a
subcamada TC é a que pega as células a serem enviadas e as transforma em uma série de bits, que são então repassados para a subcamada PMD. No sentido inverso, ela recebe uma série de bits e os transforma de volta em células.
A
camada ATM é o coração de todo o esquema. É dela a responsabilidade de cuidar de toda a comunicação entre o transmissor e o receptor, definindo como é o cabeçalho que acompanha as células, marcando e liberando os circuitos virtuais e controlando o tráfego de dados para evitar congestionamentos.
A
camada de adaptação ATM serve de interface entre o usuário e todo o modelo. Sua
subcamada SAR segmenta as informações do usuário em células e as remonta ao seu formato original. Já a
subcamada CS é a que fornece os serviços do modelo aos programas do usuário: transferência de arquivos, streaming de vídeo, etc.
***
Um Exemplo PráticoPara fechar este artigo vamos ver um exemplo prático para a leitora ter uma melhor noção de como o modelo funciona.
Vamos supor que a conexão já tenha sido estabelecida e que uma usuária esteja usando um programa de bate papo em uma rede ATM. A seqüência de ações que acontece quando ela clica no botão de enviar mensagem é mais ou menos a seguinte:
- O programa de bate papo - subcamada de convergência - pega a mensagem, transforma em um "
pacote de bate papo" e repassa este pacote para a subcamada de segmentação e remontagem.
- A subcamada de segmentação e remontagem divide este pacote em várias células e as repassa para a camada ATM.
- A camada ATM pegas estas células, numera e repassa para a subcamada de convergência de transmissão.
- A subcamada de convergência de transmissão pega as células preparadas, converte em seqüências de bits e repassa estas seqüências para a subcamada dependente do meio físico.
- A subcamada dependente do meio físico transforma estas seqüências em sinais e as repassa para os cabos da rede.
- Os cabos levam o sinal ao receptor.
- A subcamada dependente do meio físico recebe os sinais, converte-os para uma seqüência de bits e entrega a seqüência para a subcamada de convergência de transmissão.
- A subcamada de convergência de transmissão pega as seqüências e remonta as células, repassando-as para a camada ATM.
- A camada ATM verifica se tudo chegou nos conformes, se não faltou nada, e repassa as células, já sem os cabeçalhos, para a camada de segmentação e remontagem.
- A camada de segmentação e remontagem pega estas células e, oh, remonta-as, tornando o "
pacote de bate papo" íntegro novamente. Por fim, repassa este pacote para o programa de bate papo.
- Finalmente, o programa de bate papo desempacota o que recebeu e exibe a mensagem na tela do computador.
***Este é, enfim, o ATM, uma tecnologia que surgiu como promessa de solução para todos os problemas que surgiam quando a internet começava a despontar, mas que hoje, com o surgimento de novas tecnologias, mais eficazes e confiáveis, começa a caminhar para o desuso.